Síndrome da Fada Sininho
A personagem Sininho, ou Tilim-Tim, é uma fada originalmente criada pelo escocês James Matthew Barrie e apresentada em sua peça, Peter and Wendy, em 1904. É descrita como travessa e irritadiça, mas leal acompanhante de Peter Pan.
A Psicoterapeuta francesa Sylvie Tenenbaum (2012) considera o autor do conto, um visionário; no sentido em que desenhou um conjunto de personagens – Peter Pan, Wendy e Fada Sininho – que, hoje, tornou-se exemplo de arquétipos modernos.
Assim como Peter Pan, que deu origem à “síndrome” de jovens que se recusam a crescer e levam uma vida agitada, sem responsabilidades, a fada Sininho transformou- se em um arquétipo para mulheres profissionalmente bem-sucedidas. Mas que por outro lado, permanecem eternas adolescentes, aterrorizadas pela velhice, infelizes em seus relacionamentos afetivos e que nutrem fantasias enquanto tentam agradar aos outros.
Segundo Sylvie Tenenbaum (2012), a fada Sininho é um arquétipo feminino que oscila entre encantador e insuportável, fascinante e perspicaz, manipulador e ciumento. Para tais fadas modernas, “os homens raramente estarão à altura da tarefa”.
O comportamento amoroso deste perfil é muito específico: Sininho “joga poeira nos olhos” dos homens. Uma mulher encantadora e que faz todos sonharem que embarcam em uma jornada “mágica”. Contudo, possui um controle constante sobre as emoções. Para ela, a paixão é um sinal de fraqueza.
Para Sylvie Tenenbaum (2012), as mulheres com o arquétipo da fada Sininho sofreram muito durante a infância. Filhas de pais tóxicos, de mães possessivas ou egocêntricas, de pais misóginos ou ausentes.
Na maioria das vezes, quando meninas, não possuíam as mesmas permissões que seus irmãos. E se tinham, não se sentiam valorizadas como os outros; ou foram educadas em um ambiente de estímulo à alta competitividade em que entenderam que deveriam ser sempre o destaque, “o primeiro lugar,” nas inúmeras situações sociais.
Assim, de forma inconsciente, essas meninas absorviam o engrama que para serem amadas, seria preciso ter sucesso e, acima de tudo, não abrir espaço para exprimir as emoções; o que seria interpretado como demonstrações excessivas das fragilidades. Trata- se da formação de um tipo de comportamento alicerçado no medo e na crença de que as manifestações espontâneas das sensibilidades, poderiam tirar as suas forças.
Vale ressaltar que o contexto de hiperatividade afetiva, profissional e social, destas mulheres, colaboram para a fuga da percepção sobre o próprio sofrimento. Pois anestesia um processo reflexivo e dolorido, porém, necessário para o amadurecimento e a tomada de consciência.
“Elas não sabem quem são ou nem se quer fizeram a pergunta”. Nas expectativas contemporâneas, a fadas Sininhos aparentam ter sucesso em diversas áreas da vida. Mas estão inseridas em uma construção tóxica de identidade social.
Na realidade, estas mulheres sofrem e machucam- se com as feridas que carregam. Vivem para mostrar que são as melhores, as mais bonitas ou as mais fortes. Na maioria das vezes, percebem muito tarde, a solidão em que se trancaram. E só então, tomam consciência da imensa tristeza de não sentirem- se, suficientemente, amadas.
A síndrome da Fada Sininho não é uma doença ou transtorno psiquiátrico. Mas um conceito descrito por terapeutas de inspiração Junguiana como, um arquétipo feminino moderno. O desenvolvimento da percepção sobre tais conflitos, que comprometem relações afetivas e sociais, tem na psicoterapia, um eficaz instrumento de auxílio para o autoconhecimento.
Trata-se de um caminho difícil porque desperta muitas consciências. Especialmente, pela possibilidade de aprimorar a percepção sobre o sofrimento que é provocado em si e no outro. Imersas em relações disfuncionais, geralmente, as mulheres com este padrão de comportamento não se orgulham de tais conflitos.
Mas é possível descobrir um caminho de equilíbrio, de satisfação interior e de melhor qualidade nos relacionamentos. A psicoterapia estimula este processo de conscientização e trabalha feridas emocionais, até então, encobertas por mágoas e modelos inconscientes.
É importante voltar à origem desta frustração e reconciliar com a “menininha”, machucada na infância, para deixar as emoções fluírem e, a partir daí, desenvolver a mulher adulta que se sinta confortável em seu sapato.
Trata-se de uma cura necessária para si e para a qualidade dos relacionamentos com o outro. E a chave para tal transformação? Começa pela superação da garotinha que ficou no passado e que continua à espera dos sinais do amor. É hora de cultivá-lo, de ir ao encontro das próprias emoções. E de sobretudo: de “aprender a amar e a ser amada”.
Referências:
Tenenbaum, Sylvie. Le syndrome de la fée Clochette. Ces femmes qui font du mal et se font mal.Editions du Moment,Paris:2012.
Revisão de texto: Caroline Marchesini
Foto: Pexels
*Arthur Prado-Netto, PhD em Psicologia pela Université de Paris, Sorbonne, Psicoterapeuta Cognitivo Comportamental, professor da Universidade do Estado da Bahia, Guanambi e Bom Jesus da Lapa.