Devemos esconder nossos problemas dos filhos?
A ideia de proteger a criança, de não mergulhá-la em um universo adulto, em problemas que estão além dela, é uma resposta suficiente para muitos pais que dizem a si mesmos que as preocupações dos adultos não dizem respeito às crianças. Esta afirmação, embora correta, não leva em conta a situação como um todo.
O neuropsiquiatra francês Boris Cyrulnik, criador do conceito de ‘resiliência’ afirma que “nossos filhos são esponjas emocionais”. Em outras palavras, quando as crianças estão interagindo com os pais, tensas, ansiosas, estressadas, elas sabem que algo está errado. É então confuso para eles sentir que um evento negativo aconteceu e ver seus pais se comportando normalmente e fingindo que está tudo bem.
Dentro dessa perspectiva, uma equipe de pesquisadores americanos reuniram 100 pais (pai ou mãe) com seus filhos para estudar o efeito de esconder o estresse, a vergonha ou a raiva que sentiam antes de interagir com uma criança na montagem de um lego. Assim 50% dos pais interagiam com criança demonstrando sinais emocionais negativos e a outra metade brincavam sem demonstrar reações emocionais. Os pesquisadores então descobriram que, neste caso, pais e filhos eram menos reativos e menos calorosos uns com os outros ao montar o lego. O humor de ambos é ressentido da mesma forma.
Os pesquisadores confirmam a teoria de Boris Cyrulnik que os filhos são esponjas emocionais dos pais. Eles detectam o menor traço emocional, por isso é controverso esconder tudo dos filhos. No caso se o filhos sente um evento negativo no ambiente, é confuso para ele ver os pais se comportando normalmente e fazendo de conta que não aconteceu nada. Assim para os psicólogos contemporâneos e neurocientistas, é melhor expressar certos sentimentos negativos e mostrar as formas “saudáveis” de gerenciá-los, a fim de auxiliar no aprendizado emocional.
Segundo a neurosciência quando uma criança é privada da alteridade (significa em colocar-se no lugar do outro, entender as angústias do outro e tentar pensar no sofrimento do outro) seus dois lobos pré-frontais atrofiam e o circuito límbico desaparece. O cérebro se torna disfuncional porque não há ambiente, não há alteridade. Hoje com a ressonância magnética isso é detectável. Mas quando se reorganiza o ambiente, e desde que não tenhamos deixado a criança sozinha por muito tempo, vemos que os lobos pré-frontais e o circuito da memória se desenvolvem novamente. Ou seja, quando agimos sobre o ambiente, modificamos a escultura cerebral. Cyrulnik (2021) afirma que as crianças mais afetadas pela pandemia terão depressão crônica quando adultas. Na mesma vertente, os jovens dependentes digitais (smartphone, tablete, jogos eletrônicos) seguirão rumo a baixa alteridade e alta vulnerabilidade de transtornos psiquiátricos.
Então podemos afirmar que crianças superprotegidas, desprotegidas e superexpostas ao mundo adulto apresentam mais riscos de desenvolveram transtornos mentais como depressão, ansiedade e condutas adictas (dependência digital, uso de drogas, compulsões, etc). O dilema hoje para os pais é procurar um equilíbrio entre esconder as emoções negativas da criança ou expor. O melhor caminho para anunciar um divórcio, uma separação, uma doença familiar ou fazer entender os conflitos familiares é procurar ajuda da psicoterapia que vai tentar encontrar com família uma forma branda em que a criança tomar consciência do problema, entendas seus limites como membro da família e possa se fortalecer vencendo a infelicidade e aprendendo o complexo ofício que nos foi destinado, o de apreender a viver e o de enfrentar os problemas.
REFERÊNCIAS:
- Bassets, Marc. Entrevista Boris Cyrulnik: “Os adolescentes mais afetados pela pandemia terão depressão crônica quando adultos”, El Pais, 31 de outubro de 2021.
- Cheung RYM, Chan LY, Chung KKH. Emotion dysregulation between mothers, fathers, and adolescents: Implications for adolescents’ internalizing problems. J Adolesc. 2020 Aug;83:62-71.
- R. Karnilowicz et al., Not in front of the kids: Effects of parental suppression on socialization behaviors during cooperative parent-child interactions, Emotion, 2018.
- Jacquemont G. Faut-il cacher ses soucis à ses enfants ?. Cerevau&Psycho,2019
Fotos: Pexels
Arthur Prado-Netto ,PhD em Psicologia pela Université de Paris, Sorbonne, Psicológo CRP 03/7485, Terapeuta Cognitivo Comportamental, professor da Universidade do Estado da Bahia, Guanambi e Bom Jesus da Lapa.